- Só vou
tomar um banho e a gente já sai, tá?
Natália
virou-se pronta para se atirar na cama, mas Danilo a segurou pelo braço e
puxou-a pra si.
- Achou que
ia escapar sem um beijo?
- Nossa, que
carência, hein?
Um pouco
sem graça com a brincadeira da namorada, ele sorriu e deu um beijo rápido nela,
antes de sumir atrás da porta do banheiro. E ela finalmente desabou na cama.
Não se importou muito com o fato de que estava amassando a blusa e enchendo
seus jeans com pelinhos do cobertor, nisso ela dava um jeito depois. Queria
apenas dormir por meia horinha. Danilo não ficaria pronto antes de disso,
mesmo.
Bastou
Natália fechar os olhos para seu celular a incomodar com uma notificação. Muito
a contra gosto, ela acendeu a tela para ver o que sua chefe queria àquela hora,
mas em vez de uma mensagem de trabalho, viu o ícone do Instagram seguido dos
dizeres "ribeiro.carlos começou a seguir você". Ela parou por alguns
segundos, olhos paralisados na tela e o cenho um pouco franzido, antes de abrir
o aplicativo para ver o perfil de ribeiro.carlos.
Assim que a
primeira foto carregou, ela confirmou: era Carlos Delvigno Ribeiro, o Garça,
seu antigo colega de escola. Não se falavam havia anos e nem sequer eram amigos
no Facebook, então como raios ele a havia encontrado? Tudo bem que o username de Natália era bem
fácil e óbvio, nome e o único sobrenome, sem nem um pontinho entre eles, mas
porque o Garça a procuraria no Instagram? Será que tinha se encontrado com
alguém da escola e decidido retomar contato com todo mundo? Ou alguma lembrança
de origem aleatória? Enfim, isso não importava, era o Garça. E agora ele a
seguia numa rede social.
Costumavam
ser grades amigos, do tipo que podiam passar horas ininterruptas conversando,
sobre qualquer coisa que brotasse na imaginação de um dos dois. Riam um do
outro e de si mesmos, sem medo nenhum de passar vergonha. Era uma amizade
fácil, confortável, que não causava dor de cabeça. Exceto pelo fato de que
Natália ficava um pouco frustrada por ser só isso. Só amizade. Mas preferia continuar
com aquele amigo pra todas as horas, todos os dias, do que se arriscar para ter
um namorado. Ela até desconfiava de que ele sentia o mesmo, os amigos dele
sempre faziam brincadeiras sobre a proximidade dos dois, e nunca de uma forma
maldosa, talvez como se quisessem avisá-la de algo. Só que isso deveria ser
coisa da cabeça dela, onde já se viu, o Garça gostar de uma menina que nem ela?
Carlos
Delvigno Ribeiro recebera o apelido de Garça porque era impossível não reparar
no comprimento de suas pernas. Não era magro e nem alto o suficiente para
justificar pernas tão longas. Sempre precisava segurar o passo quando andava
com amigos, ganhava todas as corridas das quais participava e tornava a vida de
quem decidia se sentar na sua frente na sala de aula um inferno. Não era um
exemplo de beleza, mas de tão simpático e bem humorado conquistava todas as
garotas. Eram raros os casos em que, depois de uma semana de convivência, a
menina não sentia no mínimo uma grande simpatia por ele.
Mas todo
esse carisma desapareceu de uma hora para outra nas férias de julho do 1º ano
do ensino médio. Já há algum tempo, os traços sem sal e infantis de Carlos
estavam dando lugar a um rosto de rapaz bonito. E a natação, recomendação
médica, transformou seu corpo ligeiramente rechonchudo em algo, digamos, mais
desejável esteticamente. Assim, as garotas passaram a achar mais interessante
olhar para ele do que conversar com ele. E lá se foi a simpatia por água
abaixo, levando com ela a amizade com Natália, pois uma constante companhia feminina quando se está querendo conquistar garotas não pode ser considerada uma estratégia muito boa.
Não se
falaram mais. Simples assim. Natália se lembrava muito bem de ter ouvido Carlos
comentar com um amigo: "aquilo era amizade de criança. Sabe essas coisas
idiotas que criança faz? Então. Ela precisa se tocar disso e sair do meu
pé". Decidiu nem gastar saliva respondendo àquilo e se conformou com o fim
da amizade. "Antes assim do que continuar convivendo com alguém desse
tipo".
Não admitia
para ninguém, nem para si mesma, o quanto aquilo doía, o quanto sentia todos os
seus órgãos serem picotados em pedacinhos minúsculos quando encontrava Carlos.
E se não admitia isso, também não admitiria que doía não apenas pela amizade,
mas principalmente por ser o fracasso do seu primeiro amor. Doía por se
afastarem daquele jeito sem ela saber se chegou a ter alguma chance com ele,
por menor que fosse. Doía porque ela sabia que apesar da atitude de Carlos, ela
se lembraria dele para sempre e se tornar indiferente a ele seria impossível.
Olhando as
fotos no Instagram confirmou isso. Aquele rosto, ligeiramente mais velho, ainda provocava alguma coisa
nela. Não era amor, não era raiva, não era algo forte, não era nada que ela
soubesse explicar. Era só... alguma coisa, que se remexia de uma lado para o outro dentro dela, querendo sair, mas não sabendo que forma tomar. Olhar para Carlos fazia um sorriso passar pelo seu rosto, muito rápido, e também fazia com que ela sentisse uma pontinha de inveja das garotas com quem ele aparecia abraçado nas fotos. Talvez pudesse ter sido ela...
Neste
momento, Danilo saiu do banheiro já pronto para sair. Simples como sempre, o sorriso sem motivo algum de sempre e envolto pela névoa de vapor do
chuveiro. Natália não pode evitar o aparecimento de um pequeno espaço entre
seus lábios e o olhar meio abobado sobre o namorado.
- Que foi? O
cabelo tá feio assim? É melhor eu passar gel?
Ela riu e
se levantou num salto, nem percebendo que o celular tinha caído no chão, e
abraçou a cintura do namorado.
- Tá lindo,
amor.
- Você acha
que posso confiar em um pessoa que me chama de lindo até quando eu acabei de
acordar?
- Acho que
você pode confiar em uma pessoa que te ama. Só isso.
Natália já
não tinha a mínima ideia do que estivera vendo na última meia hora.