Foi em um dia assim, sem nada de extraordinário, que meus
sentimentos por você viraram do avesso, junto com o meu coração. Juntei tudo o
que você tinha colocado nele, empacotei e joguei em um cantinho empoeirado da
minha memória, porque não dava para jogar fora um período inteiro da minha vida
por causa de uma pessoa que aquela altura não significava, não me causava mais
nada. Ou são menos não deveria.
Eu tentei – veja bem, “tentei” – me manter indiferente a você,
manter as coisas na mais completa normalidade todas as vezes que nossos amigos
mencionavam seu nome ou quando os mais desavisados (ou maldosos mesmo) me
perguntavam de você e dos seus planos mirabolantes para o futuro. O problema é
que sempre que isso acontecia eu dava um sorriso amarelo e sentia meu coração,
estômago, pulmão e até órgãos menos poéticos como fígado, rins e vísceras
caindo em um abismo, se comprimindo uns contra os outros.
Eu me recusava a deletar do celular a música que você fez
para mim. Na verdade, ainda me recuso. Posso até te odiar, mas a música é boa. Por
que você a fez assim, caramba? Devia ter feito como sempre, deixado a poesia,
as palavras bonitas e ritmadas, por minha conta. Você foi se meter a besta com
elas e deu nisso, criou algo que, além de lindo, deixa qualquer poema que eu
tenha feito parecendo coisa de criança em processo de alfabetização. Mas você
teve seu castigo. Teve que agüentar minha voz desafinada repetindo os versos
por várias semanas seguidas.
Quase tantas semanas quanto eu esperei para a poeira na
minha memória assentar depois que arremessei o pacotinho de lembranças querendo
que aterrissasse em algum lugar onde fosse difícil encontrá-lo. Todo aquele pó
em suspensão me causou uma rinite que custou a passar, me obrigando a conviver
com meu nariz entupido e olhos lacrimejando em excesso. Você ia rir
de mim se me visse. Iria me chamar de boba. E diria outra vez que fui o melhor
desvio de planos que passou pela sua vida… melhor empacotar tudo outra vez antes
que a rinite volte.